Sinopse

A morte é certa. Não tem como fugir. Como você prefere morrer? Há quem prefira morrer pelo prazer. E há quem dê esse privilégio. Quando o sofrimento enfim parece compensar, ninguém reclamaria que a vida findasse ali, no clímax, no gozo. É uma bela forma de morrer. O problema é quando o amor se funde ao sangue.

Perspectiva - cap. 4

10 de maio de 2009 | |

Um mês desde a ultima vez que eu vira Gabriella. Cada segundo se arrastava lentamente. Nada fazia sentido. E então as coisas não me satisfaziam mais. Distrações que antes faziam meus dias passarem despercebidos agora eram insignificantes perto dos prazer que Gabriella me apresentou em apenas uma noite. E eu não conseguia explicar por que, mas era como se estivesse acontecendo uma transformação dentro de mim.


Estava deitado no sofá, pensando na única face que eu pensava há um mês. E então a porta bateu. Do mundo real, só me sobrara uma pessoa que se preocupava em me visitar. E era também essa a única que eu não fazia questão de ver naquela hora. Já do meu mundo surreal, eu tinha uma vida paralela muito diferente e mais instigante. Nesses 30 dias eu me obriguei a achar alguma distração realmente interessante para não enlouquecer. Mas nada tirava Gabriella da minha mente, então resolvi juntar as duas coisas. Criei mentalmente uma vida paralela ao lado dela. Casamos-nos, viajamos e até tivemos um gato. Era muito mais interessante mergulhar na minha mente criativa do que encarar as quatro paredes cansadas do meu cubículo que eu generosamente chamava de lar.

Levantei arrastando-me até a porta. E eu estava certo, não havia como não estar, era Jorge. A expressão dele não era de felicidade estúpida como eu estava habituado. Ele estava preocupado, isso era evidente. Ele me olhou de cima a baixo. Pude ver que ele estreitou os olhos ao perceber as olheiras de quem não fazia nada além de dormir. Quando parou nas minhas roupas, ele estacou. Será que eu estava nu e nem havia percebido? Olhei pra baixo rapidamente. Percebi que a minha roupa estava manchada. Então lembrei que há dois dia atrás eu havia deixado um pedaço de pizza cair na minha blusa. A mancha ainda estava ali. Provavelmente eu não tinha tomado banho.

-Você não toma mais banho? – ele realmente estava preocupado.

Eu queria ser estúpido com ele e mandá-lo tomar no cú, mas eu não podia perder a única pessoa no mundo que me sobrara. Voltei a sentar no meu sofá amassada e ele veio comigo. Seus olhos percorriam todo o local. Impecavelmente limpo, brilhante. Jorge estava estupefato.

-Cara, você tem que procurar um médico. – ele dizia como quem falava com um doente mental.

-Ah Jorge, você sabe que eu sempre fui meio neurótico com esse negócio de limpeza, daí eu fiquei o fim de semana inteiro aqui... – tentei falar o mais normal e animadamente possível.

-É esse o problema, cara. Você está sempre aqui, não sai mais e sempre que pode traz o trabalho pra fazer em casa. – ele falava num tom que eu conhecia ha muito tempo, um tom que fez com que eu quisesse perdurar a nossa amizade. Aquele tom de pai quando aconselha o filho. Aquele tom que te reconforta em saber que se você estiver na merda, vai ter alguém pra te dar a mão.

-Ah,eu gosto daqui, você sabe.

-Isso é exagero. Cara, porque você não me fala o problema? Sempre fui teu amigo, deixa eu te ajudar. Não agüento mais te ver com essa olheira do demônio.

Jorge era alguém que eu podia realmente podia confiar, alguém que não me internaria num hospício, mas que compreenderia. Talvez fosse melhor mesmo conversar.

-Ok Jorge, você venceu. Vou te contar se prometer não me interromper. – ele assentiu – É estranho, eu sei, mas não tenho como impedir que isso me afete como está afetando. Nunca quis ficar nesse estado vegetativo como você está vendo, cara, eu nunca quis. Mas não é algo que se comande, é tipo aquela tal de depressão que você tinha me dito. – hesitei – Eu conheci uma mulher. Ela é fora do comum, mas ela não me quer. Ela simplesmente disse que eu não passo de um cão no canil dela.

Eu esperava reprovação dele, mas então ele sorrio.

-Eu pensei que você estava perdido, , mas está curado, cara!

-Hã?? – meus olhos se arregalaram.

-Sim, porque antes você era um publicitário louco sem sentimento de amor algum, mas agora você está sofrendo de amor, você está reagindo!

O olhar do Jorge para a vida era mesmo diferente.

-Reagindo? Eu passei o fim de semana inteiro deitado nesse sofá e nem me lembro de nada!

- Porque você está amando, e amor faz isso mesmo com as pessoas. Cara, você está vivo de novo! Mas quem é a mulher?

Bem, isso era um ponto que eu não queria chegar. Se antes ele tinha me dado razão, agora eu colocaria tudo a perder. Mas eu poderia inventar. Agora que ele pensava nesse meu estado deplorável como algo do “bem”, ele não se preocuparia, e eu, teoricamente, não queria preocupar meu amigo que já tem os seus problemas em casa com a esposa e os filhos. Mas eu poderia ser egoísta o bastante para querer a atenção do meu amigo de volta. Não, ele tem sido generoso demais comigo.

-Ah, é uma colega de trabalho.

Mas acontece que eu estava mentindo pro Jorge, e não havia me lembrado desse detalhe. Ninguém me conhecia melhor que ele, e ele conhecia os meus tons de mentira.

-Ah, não mente pra mim. Diz quem é de uma vez.

Não tinha escolha.

-Sabe aquela loira que eu te disse?- Baixei o rosto para não encarar o olhar de reprovação que ele me daria.

-Mas cara, você só comeu ela uma vez! Nem sabe quem ela é!

E ele estava certo, como sempre. Eu apenas tinha transado com Gabriella, e nem fazia idéia de como ela era. E era imbecil que eu estivesse desse estado por culpa dela, mas era inevitável.

Gabriella não era o tipo de mulher comum. Os olhos impenetráveis e a sua face perfeitamente inalterada não poderiam ser somente isso. Seus cachos loiros caindo de leve no rosto, criando um contorno divino, seus lábios cheios de malícia não queriam de jeito nenhum sair dos meus pensamentos. E isso era completamente imbecil.

-Eu sei Jorge, mas não sei como explicar. Mas ela é diferente de qualquer tipo de mulher.

-Muito que você conhece das mulheres. E afinal, quem ela é?

Aquela simples pergunta me afetou como uma faca enfiada vagarosamente no meu peito. Meus pensamentos vagaram para o universo Gabriella. Quem ela era? Eu simplesmente não sabia responder; e ainda não sei. Essa falta de resposta e excesso de dúvida me persegue até hoje.

Minha mente estava totalmente fora de qualquer coisa real naquele momento. Meus sentidos se apagaram e a única coisa que pairava sobre mim era exatamente a única coisa que eu não deveria pensar. Até que o Jorge gritou comigo. Foi triste voltar à realidade e ter Jorge na minha frente, um contraste de imagem cômico. Logo me arrependi por esse pensamento, já que Jorge era meu melhor, e único, amigo.

Como quem acorda de um sono profundo consegui pronunciar alguma coisa.

-Eu sei, mas é que eu não sei.

Boa! Foi a melhor resposta que eu tinha dado em toda a minha vida! Afinal, partindo do princípio que eu estava sem banho a dois dias, minhas olheiras fundas, e meu apartamento impecavelmente limpo, era totalmente aceitável algo desse tipo no meu caso da loucura aguda.


Jorge estava com os olhos arregalados, e qualquer vestígio de felicidade patética haviam se transformado em preocupação. Mas de alguma forma ainda com uma intensidade apavorante. Uma das coisas que sempre me surpreenderam nele era isso, seus olhos estavam sempre intensos, mesmo que suaves ou tristes. Jorge era a pessoa mais viva que eu conhecia.

-Venâncio, você já tentou procurar essa mulher? – ele falava com cautela, pra esconder o desespero na voz.

Isso era uma coisa que eu não queria falar, mas como esconder de Jorge?

-Sim. – curto e preciso. Eu não o subestimaria ao ponto de achar que ele desistiria facilmente. Ele era meio metro de pura insistência.

-E?

-E ela mandou que eu desaparecesse. – fixei meus olhos na numa revista em cima da mesa de centro, concentrando-me para não expressar nenhuma expressão de dor.

-E você vai desaparecer? – pela visão periférica podia jurar que ele ria.

-Sim. – meus olhos continuavam baixos.

Ele teve uma reação bem diferente da que eu esperava. Mas claro que do Jorge não podia se esperar nada. Ele riu alto.

-Você é mesmo um imbecil, cara. Vai desaparecer porque uma loirinha de nada mandou? Cara, tenha uma atitude de homem, varia uma pouco. – ele riu.

Ele era realmente surpreendente.

-Não é só isso. Ela é bem mais.- Minha cabeça continuava baixa.

-Você ta dificultando as coisas. Nenhuma mulher gosta de homem que desiste rápido. Se ela é importante pra você, luta. – então eu ergui a cabeça e vi que ele sorria com uma esperança feroz.

-Mas Jorge, não é assim.


-Claro que é. Venâncio, como você pensa que foi com a Roberta? Eu tive que insistir dois meses com ela. E sabe o que ela me diz hoje? Que estava testando o quanto eu gostava dela. As mulheres são assim, cara.

Talvez ele tivesse razão. Talvez Gabriella estivesse me testando, talvez eu ainda tivesse chances. Uma esperança me encheu o peito e me senti vivo novamente.

- Você tem razão Jorge, mas o que eu posso fazer, você sabe que eu não levo jeito pra isso.

Os olhos dele brilharam ainda mais quando viram que eu voltava a ser quem a anos não era.

-Mulheres gostam de provas de amor. Leva flores, espera ela na saída do trabalho, na porta de casa. Essas coisas, e é bom você se mostrar interessado por tudo que envolva ela.

Estaria tudo anexado na lista de coisas úteis que eu guardava na mente. As horas se passaram enquanto conversávamos. Ele me dava bons conselhos, e outros que eu nunca usaria. Também em contou os detalhes do jantar de re-encontro.

-Bem, é domingo e eu deveria passar com as crianças. A Roberta deve estar braba comigo. Vou lá Venâncio.

-Claro. Eu abro a porta pra você. – eu nunca consegui esconder o ciúmes que sentia dele. E isso era extremamente constrangedor. Mas a puta da Roberta havia me roubado os melhores anos da minha vida. Ela havia me roubado o meu melhor amigo.

-Quer jantar lá em casa? – eu podia sentir a hesitação nas palavras.

-Acho que a Roberta não gosta de mim. – e ele podia sentir a hostilidade nas minhas.

-Claro que gosta. Vai lá, o Jake vai ficar feliz em te ver. Você vai gostar do novo jogo de vídeo game que eu comprei pra ele.

-Ok, eu vou então. Até logo.

Ele se foi e eu me deitei no meu sofá. Jorge havia me dado uma perspectiva muito diferente da situação. Então era mais fácil e menos doloroso pensar em Gabriella.

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