Sinopse

A morte é certa. Não tem como fugir. Como você prefere morrer? Há quem prefira morrer pelo prazer. E há quem dê esse privilégio. Quando o sofrimento enfim parece compensar, ninguém reclamaria que a vida findasse ali, no clímax, no gozo. É uma bela forma de morrer. O problema é quando o amor se funde ao sangue.

Mundo real. - 8 cap.

8 de janeiro de 2010 | | 1 comentários

Aquela sala era muito deprimente. Os quadros de textura tão padrões. O tapete tão comum. O sofá levemente manchado de tinta têmpera. Os brinquedos espalhados pelo chão. As almofadas bagunçadas. Os porta-retratos indicando sorrisos felizes de viagens incontáveis. As paredes meio riscadas de caneta. Tão irritante. Aquele cheiro de chiclete enjoado. Tudo era tão óbvio. Tão família. Não era vida, era o fim. E ali, sentado naquele sofá multicolor estava meu melhor amigo que um dia junto comigo repudiou todo esse tipo de coisa.
Mas naquela hora, era tudo que eu precisava. Um pouco de normalidade para não surtar depois dos acontecimentos daquela manhã. Minha intenção era ter ido para a casa de Gabriella pedir uma boa de uma explicação. Então decidi que eu primeiro precisava de uma dose de mundo real.
-Não entendi o que você quer dizer.
-Vamos supor Jorge, que uma mulher tenha se comportado de uma forma estranha. Talvez um pouco bipolar...
Jorge deu uma risada.
-Você está tão desacostumado com mulheres que se esqueceu da inimiga número um dos homens: a TPM.
-Não, Jorge. É mais que isso. Hoje de manhã... – e a porta abriu, interrompendo-me.
Roberta entrou. Seu cabelo tingido com uma tinta vermelha vagabunda, apontando a raiz loira, seu liso artificial. Na verdade, a tinta não tinha culpa se ela fazia qualquer coisa parecer vagabunda. O que mais me irritava era sua vulgaridade disfarçada de pudor. Ela num vestido florido, daqueles que as avós usam. Mas faltavam uns 30 cm de tecido ali.
-Oi mor. – disse naquela voz fina e puxada pra um caipira de araque.
-Olá, Roberta. – disse Jorge, com um sorriso bobo no rosto.
Ela passou reto por mim.
-Oi pra você também, Betinha. – eu disse.
Ela parou, o rosto assumindo a mesma tonalidade do seu cabelo.
- Vai pro inferno, Venâncio!
Franzi o cenho, em sinal forçado de reprovação.
-Ó, que maneira de tratar suas visitas!
Jorge tentou intervir, mas Roberta era estressada demais. E isso me divertia tanto.
-Cala a sua boca! Sabe muito bem que não é bem vindo aqui!
-Aé? E você é a dona?
-Por favor, não provoque ela! – disse Jorge, levantando as mãos.
-Vai dar, seu filho da puta!
-Roberta, ele é meu convidado! – e Jorge ainda achava que Roberta era civilizada, pobre coitado.
-Então fica com teu convidado, Jorge! – ela gritava. Tão cômica.
Roberta subiu as escadas correndo, batendo a porta do quarto.
Jorge ficou preocupado com isso. Na verdade, apavorado.
-Ela ficou muito zangada, Venâncio! Olha o que você fez!
Dei uma risada.
-E ela tem pra onde ir? Ah, Jorge, ela não vai sair dessa vida de princesa pra voltar pro buraco de onde saiu.
Jorge balançou a cabeça, incrédulo.
-Sabia que nem todo mundo é como você? Tem gente que tem moral!
-É? E a Roberta sabe o que significa essa palavra?
-Vai se catar, Venâncio!
Dei uma risada. Embora aquela cena fosse deprimente demais.
-O clima ta tenso aqui. Vou indo, Jorge.
Ele me olhou com aquela sua expressão dilacerada, aquele meu amigo preocupado.
-Não, Venâncio. Fica, depois eu me acerto com a Rô. – o sacrifício em suas palavras era tangível.
Eu era egoísta o bastante pra ficar ali e brigar com a Roberta até que o casamento acabasse. Mas quando se tratava da felicidade de Jorge eu deveria ponderar. O que eu podia fazer se meu amigo amava aquela vadia? Era melhor eu usar o bom senso e deixar que ele acertasse a vida dele. Além do mais, eu tinha coisas mais interessantes pra fazer.

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Pancada. - cap. 7

27 de agosto de 2009 | | 0 comentários

Quando acordei, eram onze horas da manhã. Eu estava atirado no sofá, mas isso já era costumeiro. O que primeiramente me intrigou foi a desordem do apartamento e um latejar irritante em minha cabeça. As lembranças vieram como flashes desconexos, até que comecei a encaixar os fatos para que ficassem coerentes.


Lembrei-me de algo que Gabriella me dissera, em especial. Ok. Não vi nada. Seria fácil, até porque eu não me lembrava de muitas coisas sólidas. Minha cabeça doía. Mas isso não era o pior. O pior era que meu apartamento estava desorganizado.
Parecia ter sido inva...Invadido!

E que fim havia levado o homem agonizante, afinal de contas? Não conseguia lembrar-me de nenhum lampejo que levasse a ele. “Ele deve ter ido com Gabriella. Deve ser mais um do canil”. A minha voz interna surgiu, intrometida.

Levantei-me e fui até o armário, fazer um café. Praguejei. O café havia acabado. “Se parasse de ficar se masturbando pensando na loira gostosa, talvez a dispensa estivesse abastecida”. Voz maldita. “Cale a boca”, gritei. Meu cérebro devia mesmo ter alguma anomalia. Pessoas normais não costumavam brigar consigo mesmas. Não que eu entendesse muito de pessoas. Nem de normalidade.

Bem, hora das compras; Imagine a dança da vitória e acrescente uma quantia relevante de ironia a ela. Mas pra que eu tivesse alguma condição de sair de casa, precisava de um banho. E um longo banho. Peguei minhas roupas caídas no chão e fui para o banheiro. A água ajudou a aliviar o latejar incômodo que insistia em me atormentar, mesmo com meus esforços de ignorá-lo.

Olhei-me no espelho. Minhas olheiras estavam mais fundas que o normal e a minha pele levemente empalidecida. Eu estava deplorável. Mas não poderia estar diferente, após levar uma pancada na cabeça. Perguntava-me porque diabos Gabriella me batera. Ela tinha mesmo um humor inconstante, mas não imaginava que fosse tão extremo.

Primeiro ela atirou no homem, depois me tira a inconsciência. Não, isso não seria efeito da TPM. Ou será que eu estava tão desaprendido a lidar com mulheres? Era melhor que eu aprendesse logo, antes que Gabriella se irritasse e arrancasse meu pênis.

Parece até piada. O fato era que eu preferia lidar com isso como uma piada do encarar a verdade como ela era. Gabriella provocou em mim algo que nenhuma mulher antes provocara. No meu mundo, ou antigo mundo, as mulheres eram apenas instrumentos de prazer, incapazes de provocar nada parecido com sentimento. Mas então ela chegou como um meteoro - na verdade, acho que meteoro é um corpo muito sem graça quando comparado a Gabriella – e mexeu em algo intacto dentro de mim. Ela me fez encará-la como mais que uma fonte de sexo, mas como uma mulher cheia de segredos. Eu desejava estar ao seu lado, acima de tudo. Gabriella parecia ser perigosa, ou deveria parecer aos olhos de alguém normal. Eu deveria estar com medo. E eu estava. Mas isso não anulava a curiosidade e fascinação que crescera a partir desses fatos. O medo não me empurrava para um lugar seguro, mas me instigava a ir em frente. O medo, misturado com a excitação era uma sensação nova e empolgante. E eu estava ficando hiperativo.
Passei os dedos nos cabelo molhado. Peguei meus tênis perfeitamente colocados numa das partes do guarda roupa, e calcei-os, não perdendo tempo em amarrá-los. Saí do apartamento. Estava tudo tranqüilo.

Algo me intrigou. Como Gabriella saíra com o homem sem que ninguém percebesse? Eu pagava um valor dobrado para que aquela parte do prédio fosse exclusiva para mim. Na verdade, era idiota, pois aquela parte estava interditada devido ao grande risco de incêndio. Mas eu não ligava. Morrer queimado até era uma morte gloriosa. Eu só queria privacidade e silêncio. Mas para chegar até lá, obrigatoriamente era preciso passar pela portaria, a não ser que se escalasse ou pulasse uma altura de quatro andares. Algo que eu sempre detestara. Queria ter livre entrada e saída, sem topar com aqueles porteiros metidos e fofoqueiros.

Então, como Gabriella fizera para sair com o homem agonizante? Balancei a cabeça e continuei descendo as escadas, decidindo que não pensar nisso era o melhor.
Ao chegar ao hall de entrada, o porteiro que estava assistindo televisão atrás do balcão de madeira velho virou-se para mim, os olhos um pouco confusos. Os porteiros dali sempre me encaravam com uma expressão de aversão ou desprezo, mas dessa vez era uma curiosidade tangível. Parei um pouco, incomodado com o olhar insistente e especulativo. O velho gordo pigarreou e abaixou a cabeça levemente. Parecia... Pesar?

-Era seu amigo, Sr Venâncio?

Franzi o cenho.

-Amigo?

-É. O homem que se atirou da janela hoje cedo.

Eu fico inconsciente os meus vizinhos começam a brincar de Bunge Jump? Incrível.

-Quem?

-Aquele homem que veio atrás da moça loira, Sr Venâncio. – o homem agora parecia desconfiado.

Ah. Eu era muito imbecil mesmo. Meu cérebro não conseguiu processar tudo em tão pouco tempo, mas consegui compreender a essência. Algo acontecera enquanto eu “dormia” e eu devia saber disso. Bem, era melhor que eu concordasse.

-Ah, é verdade. Desculpa, fiquei um pouco transtornado. Hm, não, eu não o conhecia.
Ele olhou mais para baixo, um pouco encabulado com a minha educação. A bem da verdade era a primeira vez que conversávamos.

-Hm. Ele não resistiu. Morreu. A moça loira saiu desesperada daqui, chorando. Ela disse que eles estavam tendo um caso, algo recente, mas que logo que ele descobrira sua profissão a rejeitara. Pobre homem. - homem troncudo balançou a cabeça. Uma certa camaradagem masculina que nunca entendi.

Em outras ocasiões eu praguejaria pelo falatório extenso do porteiro metido, mas ele estava sendo útil. Muito útil.

-Foi isso que ela disse? Que falta de profissionalismo de sua parte. O que mais ela disse? – ela perguntou de mim? Disse pra onde ia? O que ela disse do homem?

-É, foi sim. – ele esfregou a careca gordurosa, cheia de vincos – Ela não disse mais nada.

-Muito obrigada, Sr ... ?

-Alberto.

-Muito obrigado, Sr. Alberto.

Saí. O sol batia forte, sol do meio dia. Entrei no meu Scort no pequeno estacionamento improvisado. Aquilo tudo era muito absurdo e não fazia sentido.
Alguém teria que me explicar. Liguei o carro. E saí.

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Névoa - cap. 6

24 de agosto de 2009 | | 0 comentários

Só pude ver que Gabriella havia atirado porque o homem caiu em agonia. Os olhos dele eram carregados de dor. Mas não tive muito tempo para prestar atenção no pobre homem, uma pancada me acertou na cabeça por trás e logo eu não conseguia mais discernir nada a minha frente.

Lembro que tombei no sofá e segurava minha cabeça com força, tentando arrancar a dor. Queria gritar, mas algo me impelia. Na verdade, eu procurava minhas forças, mas não as encontrava onde deveriam estar. Abri meus olhos, e apesar da maioria das coisas não fazerem sentido, vi um vulto se movimentado de um lado para o outro. Parecia que havia fumaça no cômodo, mas creio que fossem devaneios. O vulto parecia carregar algo, que lembrava um corpo. Os olhos do homem em agonia me tomaram; uma névoa pálida e distante, como nos sonhos, que nenhuma cor é nítida. Mas a dor era forte demais para que eu me concentrasse em algo distinto. Só conseguia sentir o latejar constante e incômodo.

Porém, em meio à dor e a névoa embaçada, uma forma discerniu-se. Um vulto envolto em anéis que brilhavam como ouro. Mesmo com a visão deturpada, era possível reconhecê-la. Forcei os olhos para conseguir encará-la melhor. Ela matinha a face bem perto e se eu me esforçasse mais um pouco para ignorar o latejar, poderia sentir sua respiração. Mas o latejar era forte demais, e ameaçava corromper a minha consciência. Podia sentir a escuridão tentando me tomar, tentadora. Parecia uma atitude masoquista recusar.

Os lábios de Gabriella começaram a se mexer e tive que lutar mais ainda para captar as palavras de mel ácido que ela proferia, embora ela parecesse falar alto e claro para que alguém com problemas mentais entendesse. Ta certo que era provável que eu fosse pior que isso. Mas isso não vem ao caso.

- ... não viu nada. – ela falava no meu ouvido, e se já era difícil me concentrar com a dor, com tanta proximidade era mais difícil ainda.

E então, meu sol foi indo embora, se distanciando. O latejar se tornou mais forte. Queria deixar que a escuridão enfim me tomasse, mas precisava primeiro assimilar o que Gabriella havia dito.

“não viu nada”. “não viu nada”. Você não viu nada, deveria ser. Eu não tinha a mínima noção do que se passara, e se restara alguma lembrança, ela era uma névoa embaçada e turva. Repeti a frase de Gabriella inúmeras vezes em minha mente. Eu atenderia a seu pedido.

Então, fechei os olhos e me entreguei a doce escuridão que veio me receber; acolhedora.

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Tiro - cap. 5

9 de junho de 2009 | | 1 comentários

Era segunda-feira e nada mudara. A minha esperança tinha voltado, mas Gabriella não. Eu estava decidido de logo depois do trabalho ir procurá-la. Então, após ter aproveitado os últimos segundos que podia ficar no meu sofá, levantei, um pouco animado até, para uma segunda-feira. Nos primeiros minutos que levanto nada faz sentido. Acho que em geral as pessoas ficam assim. Ainda mais numa segunda-feira. É tradição, o primeiro dia útil da semana é o mais inútil. É nesse dia que pensamos na sexta-feira, e também é nesse dia que recebemos os problemas. Nas segundas todos estamos cansados, então, a educação fica esquecida e ninguém se importa, porque é segunda-feira. Antigamente, pra mim e para o Jorge, todos os dias eram sextas. Depois que ele encontrou a vadia da vida dele, as segundas se tornaram apenas um hábito, porque os fins de semanas era tão parados e torturantes como a segunda-feira. Mas segunda-feira continua sendo segunda-feira, então, o mau humor é automático.

Levantei, e fui até o armário. Procurei roupas e cuecas limpas, para tomar um banho. Então, eu senti um cheiro diferente. Não, vinha de mim, simplesmente porque era agradável o perfume. Meu apartamento sempre cheirava à café, então não era dali.
Não era um perfume comum. Ele era excitante. Mas não aqueles fortes, de vagabunda. Era concentrado. Fazia-me pensar no prazer como algo divino. Senti-me estranho ao pensar nisso.

Virei para ver de onde poderia vir.

Acho que demorei demais para conseguir entender o que era. Tenho quase certeza que fiquei com cara de piá que vê mulher nua pela primeira vez. Eu sabia que estava sendo ridículo, mas meus pés não queriam voltar ao chão. Forcei o máximo que pude.
Então ela deu uma risada. Minhas alucinações agora riam. Nossa, eu estava bom mesmo em criar Gabriellas surreais.

Ela me olhava com curiosidade e divertimento. Estava se divertindo muito, isso era um fato. Seus lábios estavam curvados em um meio sorriso, como se estivessem ali só para me tirar a sanidade. Eles zombavam de mim.

Algo me puxou de volta a realidade. Acho que foram as roupas que caíram das minhas mãos. Mas de alguma forma voltei a pisar o chão seguro, ou nem tanto. Não era uma alucinação! Ela era real, muito real. E estava ali, na minha frente, enquanto eu a encarava com uma cara de idiota.

Ainda não sei por que e como fiz aquilo, mas eu tive o impulso de ir beijá-la. Então, o obedeci. Fui correndo ate o seu encontro. Quando me dei conta, eu estava abraçando-a loucamente. Logo que percebi, larguei-a, com medo do que ela faria. Mas ela sorria, Gabriella sorria! E seu olhar não era de reprovação. Seus olhos ardiam.

Eu precisava falar.

-Gabri... Gabriella. – eu ofegava – pensei, pensei que você não gostasse de cachorros.
Eu juro que seria mais feliz se não fosse tão imbecil.
Ela riu.

-Existem algumas raças nas quais eu simpatizo. – a sua voz era doce, diabólica, hipnotizante.

Gabriella era linda. Perfeita. Eu devia responder. Balancei a minha cabeça para organizar os pensamentos.

-E eu sou da uma boa raça?

-Digamos que seja a minha favorita, dentre varias. – então, o seu sorriso se alargou.
Eu não conseguia acreditar que aquilo tudo era real. Parecia um sonho, e eu preferia ficar adormecido pelo resto da minha vida a cair de ponta cabeça na realidade. Na verdade, o sonho era a realidade. Eu não sabia o que responder, e ela não esperava uma resposta. Então, me restava ser homem e agir. E pra isso, era preciso concentração.

Aproximei-me vagarosamente, cuidando para não bancar o idiota de novo. Peguei na sua cintura, com toda a suavidade e firmeza que era capaz. Em minhas mãos, ela parecia tão frágil. Mas os olhos revelavam uma verdade bem diferente. Ela sorria, e seus olhos estavam em brasa. Não entendi o porquê de tanta intensidade. Puxei-a para perto, encostando-a em meu peito. Pude sentir a sua respiração no meu pescoço, mesmo de longe.

Então, veio a incerteza. Será que o que ela havia dito sobre gostar da minha “raça” queria dizer que ela gostou de ter transado comigo, ou que estava apaixonada por mim? Se ela havia apenas gostado da noite, seria ridículo que eu tentasse algum carinho ou algo que revelasse meus sentimentos. Mas se ela estava apaixonada, eu não poderia jogá-la no sofá.

Ela, surpreendentemente encostou a cabeça no meu peito, e pude sentir, pela oscilação de sua respiração, que ela ria discretamente. Então, tomei coragem, e encostei o meu queixo na sua cabeça. Não consigo mensurar quanto tempo ficamos ali, mas foi bastante, até.

Não havia nada que eu quisesse mais do que estar ali. Ela tão perto, tão frágil.
Até que ela levantou a cabeça para me encarar, sem se afastar. O seu olhar era frustrado. Eu vi a face perfeita dela assumir alguma emoção. Parecia sentir uma dor. Então me lembrei que não tomava banho há dias. Será que ela sentira meu fedor? Quase saí correndo para o banheiro.

Peguei a sua cabeça entra as mãos. O seu rosto era tão perfeito. Até hoje não consigo acreditar que é real. Seus olhos negros ardiam tanto quanto uma chama de fogo que se alastra sem piedade. Seus lábios estavam em um meio sorriso, tão divino e tão cheio de malícia. Tudo tinha harmonia. Ela não parecia nenhum um pouco com as mulheres que eu já havia visto, seu olhar carregava muito mais do que isso. Ele trazia uma determinação e segurança desumana. Acho que se um leão a atacasse, ela continuaria segura de si e a sua face calma e inalterada como sempre, com todo o seu ardor. Ela era muito mais do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar. Gabriella é o segredo que eu não desvendei, e provavelmente nunca desvendarei.

Devagar fui chegando mais perto. Então o seu sorriso desapareceu, oscilei, mas ao que parecia ela não estava brava. Fui chegando cada vez mais perto, até que pude sentir sua respiração em meu rosto. As mãos dela envolveram o meu pescoço, fazendo movimentos sutis. Fechei os olhos e aproveitei cada sensação. Eu estava em êxtase. Pude sentir a sua respiração se alterar em uma risada curta. Ela aproximou os seus lábios dos meus, encostando-os de leve. Ela roçou-os de um lado para o outro, dando risadas baixinhas. Até que me beijou. Beijou intensamente. Beijou com paixão, desejo. Beijou com amor. Não queria que isso tivesse um fim, queria permanecer a eternidade ali. No momento me veio um pensamento: “nem a morte seria um preço justo para essa sensação”. Hoje essa frase faz mais sentido.

Então ela me empurrou. Empurrou com muita força. Começou a rir. Rir com o mesmo tom
debochado de sempre. Ela ria olhando nos meus olhos. Eu podia ver que qualquer vestígio de amor havia ido embora. Minha expressão não era de surpresa. Eu estava preparado pra isso mais do que para a sua reação anterior. Mas o meu rosto deve ter revelado uma dor tangível. Senti um buraco se abrir onde antes batera um coração frenético. Ela disse com a voz amarga.

- Homens e seus falsos amores. É tão repetitivo.

Falsos amores? Bem, se ela considera o fato de alguém que fica um mês em estado vegetativo por causa de certa pessoa e quando a vê tem uma atitude impensada de perguntar “você gosta de cães?” porque simplesmente é impossível pra ela ter nem que seja um senso básico de ridículo quando essa pessoa está perto, se Gabriella considera isso um falso amor, bem, eu tinha um falso amor e me orgulhava disso.
Mas é obvio que eu não diria isso a ela.


-Gabriella, eu te amo e isso é verdade.

Ela ainda tinha um sorriso no rosto, um divertimento quase audível.

-Apenas prazer.

Era isso que ficava evidente. Mas não que fosse a verdade. Eu já pagara muitas prostitutas, nenhuma me fornecera tanto prazer quanto Gabriella, mas que me forneceram muito já. Eu nunca senti falta de nenhuma delas no dia seguinte. Acho que nunca comi a mesma mais que uma vez. Eu precisava fazê-la entender o que significava para mim, precisava tentar. Mas não tinha certeza de como. Comecei devagar.

-Gabriella, eu senti a sua falta, eu vi como os meus dias ficaram vazios depois que você me mandou embora. E eu vi que foi insuportável a sua ausência. Eu te amo, e você é o meu mundo agora.

Então o seu sorriso desapareceu. Ela pronunciou com a voz dura.

-Então, talvez o seu mundo exploda...

Foi tudo muito rápido. A porta abriu bruscamente. Ela não estava chaveada, mas quem entrou teria força e raiva suficiente para arrombá-la se fosse necessário.
Era um homem baixo e magro. O que me chamou atenção foi seu rosto cheio de cortes profundos. Ele parecia ter sido esfaqueado por alguém realmente sem escrúpulos. Vestia uma roupa rasgada, manchada de sangue. Os seus olhos eram de um azul forte e estavam cheio de raiva, dor e pânico. O homem começou a gritar:

-Sua vagabunda, eu vou acabar com a tua vida, como tu fez com Jefferson!

Ele começou a andar pra cima dela. Eu o segurei, mas a sua raiva era descontrolada.

-Eu vou te matar! Vou arrancar os teus olhos de feiticeira! Vadia!

O homem estava tomado de uma determinação que me fez acreditar que realmente mataria Gabriella. Olhei por cima do ombro para vê-la. Ela estava com a mesma expressão de como eu vira antes do homem entrar. Fechada, sem surpresa nenhuma. Pensei nisso por um milésimo de segundo, mas o homem se mexia muito. Sorte que ele era bem mais baixo que eu.

-Vagabunda!

O homem então se afastou de mim. Ele levantou a camisa e tirou um revolver da cintura. A arma tremia em suas mãos.

Olhei para Gabriella, com os olhos quase saindo do rosto. Ela já havia sacado uma arma, e a segurava com calma. Ela parecia já ter uma intimidade com aquele instrumento, como se há anos o manejasse. Então, senti medo.

-Quer brincar de quem atira primeiro no meio do alvo? – um sorriso diabólico surgiu em seu rosto de mármore.

O homem tremia loucamente.

-Você torturou a pessoa que eu mais amava. Você fez isso por prazer...
Então ela tinha atirado.

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Perspectiva - cap. 4

10 de maio de 2009 | | 0 comentários

Um mês desde a ultima vez que eu vira Gabriella. Cada segundo se arrastava lentamente. Nada fazia sentido. E então as coisas não me satisfaziam mais. Distrações que antes faziam meus dias passarem despercebidos agora eram insignificantes perto dos prazer que Gabriella me apresentou em apenas uma noite. E eu não conseguia explicar por que, mas era como se estivesse acontecendo uma transformação dentro de mim.


Estava deitado no sofá, pensando na única face que eu pensava há um mês. E então a porta bateu. Do mundo real, só me sobrara uma pessoa que se preocupava em me visitar. E era também essa a única que eu não fazia questão de ver naquela hora. Já do meu mundo surreal, eu tinha uma vida paralela muito diferente e mais instigante. Nesses 30 dias eu me obriguei a achar alguma distração realmente interessante para não enlouquecer. Mas nada tirava Gabriella da minha mente, então resolvi juntar as duas coisas. Criei mentalmente uma vida paralela ao lado dela. Casamos-nos, viajamos e até tivemos um gato. Era muito mais interessante mergulhar na minha mente criativa do que encarar as quatro paredes cansadas do meu cubículo que eu generosamente chamava de lar.

Levantei arrastando-me até a porta. E eu estava certo, não havia como não estar, era Jorge. A expressão dele não era de felicidade estúpida como eu estava habituado. Ele estava preocupado, isso era evidente. Ele me olhou de cima a baixo. Pude ver que ele estreitou os olhos ao perceber as olheiras de quem não fazia nada além de dormir. Quando parou nas minhas roupas, ele estacou. Será que eu estava nu e nem havia percebido? Olhei pra baixo rapidamente. Percebi que a minha roupa estava manchada. Então lembrei que há dois dia atrás eu havia deixado um pedaço de pizza cair na minha blusa. A mancha ainda estava ali. Provavelmente eu não tinha tomado banho.

-Você não toma mais banho? – ele realmente estava preocupado.

Eu queria ser estúpido com ele e mandá-lo tomar no cú, mas eu não podia perder a única pessoa no mundo que me sobrara. Voltei a sentar no meu sofá amassada e ele veio comigo. Seus olhos percorriam todo o local. Impecavelmente limpo, brilhante. Jorge estava estupefato.

-Cara, você tem que procurar um médico. – ele dizia como quem falava com um doente mental.

-Ah Jorge, você sabe que eu sempre fui meio neurótico com esse negócio de limpeza, daí eu fiquei o fim de semana inteiro aqui... – tentei falar o mais normal e animadamente possível.

-É esse o problema, cara. Você está sempre aqui, não sai mais e sempre que pode traz o trabalho pra fazer em casa. – ele falava num tom que eu conhecia ha muito tempo, um tom que fez com que eu quisesse perdurar a nossa amizade. Aquele tom de pai quando aconselha o filho. Aquele tom que te reconforta em saber que se você estiver na merda, vai ter alguém pra te dar a mão.

-Ah,eu gosto daqui, você sabe.

-Isso é exagero. Cara, porque você não me fala o problema? Sempre fui teu amigo, deixa eu te ajudar. Não agüento mais te ver com essa olheira do demônio.

Jorge era alguém que eu podia realmente podia confiar, alguém que não me internaria num hospício, mas que compreenderia. Talvez fosse melhor mesmo conversar.

-Ok Jorge, você venceu. Vou te contar se prometer não me interromper. – ele assentiu – É estranho, eu sei, mas não tenho como impedir que isso me afete como está afetando. Nunca quis ficar nesse estado vegetativo como você está vendo, cara, eu nunca quis. Mas não é algo que se comande, é tipo aquela tal de depressão que você tinha me dito. – hesitei – Eu conheci uma mulher. Ela é fora do comum, mas ela não me quer. Ela simplesmente disse que eu não passo de um cão no canil dela.

Eu esperava reprovação dele, mas então ele sorrio.

-Eu pensei que você estava perdido, , mas está curado, cara!

-Hã?? – meus olhos se arregalaram.

-Sim, porque antes você era um publicitário louco sem sentimento de amor algum, mas agora você está sofrendo de amor, você está reagindo!

O olhar do Jorge para a vida era mesmo diferente.

-Reagindo? Eu passei o fim de semana inteiro deitado nesse sofá e nem me lembro de nada!

- Porque você está amando, e amor faz isso mesmo com as pessoas. Cara, você está vivo de novo! Mas quem é a mulher?

Bem, isso era um ponto que eu não queria chegar. Se antes ele tinha me dado razão, agora eu colocaria tudo a perder. Mas eu poderia inventar. Agora que ele pensava nesse meu estado deplorável como algo do “bem”, ele não se preocuparia, e eu, teoricamente, não queria preocupar meu amigo que já tem os seus problemas em casa com a esposa e os filhos. Mas eu poderia ser egoísta o bastante para querer a atenção do meu amigo de volta. Não, ele tem sido generoso demais comigo.

-Ah, é uma colega de trabalho.

Mas acontece que eu estava mentindo pro Jorge, e não havia me lembrado desse detalhe. Ninguém me conhecia melhor que ele, e ele conhecia os meus tons de mentira.

-Ah, não mente pra mim. Diz quem é de uma vez.

Não tinha escolha.

-Sabe aquela loira que eu te disse?- Baixei o rosto para não encarar o olhar de reprovação que ele me daria.

-Mas cara, você só comeu ela uma vez! Nem sabe quem ela é!

E ele estava certo, como sempre. Eu apenas tinha transado com Gabriella, e nem fazia idéia de como ela era. E era imbecil que eu estivesse desse estado por culpa dela, mas era inevitável.

Gabriella não era o tipo de mulher comum. Os olhos impenetráveis e a sua face perfeitamente inalterada não poderiam ser somente isso. Seus cachos loiros caindo de leve no rosto, criando um contorno divino, seus lábios cheios de malícia não queriam de jeito nenhum sair dos meus pensamentos. E isso era completamente imbecil.

-Eu sei Jorge, mas não sei como explicar. Mas ela é diferente de qualquer tipo de mulher.

-Muito que você conhece das mulheres. E afinal, quem ela é?

Aquela simples pergunta me afetou como uma faca enfiada vagarosamente no meu peito. Meus pensamentos vagaram para o universo Gabriella. Quem ela era? Eu simplesmente não sabia responder; e ainda não sei. Essa falta de resposta e excesso de dúvida me persegue até hoje.

Minha mente estava totalmente fora de qualquer coisa real naquele momento. Meus sentidos se apagaram e a única coisa que pairava sobre mim era exatamente a única coisa que eu não deveria pensar. Até que o Jorge gritou comigo. Foi triste voltar à realidade e ter Jorge na minha frente, um contraste de imagem cômico. Logo me arrependi por esse pensamento, já que Jorge era meu melhor, e único, amigo.

Como quem acorda de um sono profundo consegui pronunciar alguma coisa.

-Eu sei, mas é que eu não sei.

Boa! Foi a melhor resposta que eu tinha dado em toda a minha vida! Afinal, partindo do princípio que eu estava sem banho a dois dias, minhas olheiras fundas, e meu apartamento impecavelmente limpo, era totalmente aceitável algo desse tipo no meu caso da loucura aguda.


Jorge estava com os olhos arregalados, e qualquer vestígio de felicidade patética haviam se transformado em preocupação. Mas de alguma forma ainda com uma intensidade apavorante. Uma das coisas que sempre me surpreenderam nele era isso, seus olhos estavam sempre intensos, mesmo que suaves ou tristes. Jorge era a pessoa mais viva que eu conhecia.

-Venâncio, você já tentou procurar essa mulher? – ele falava com cautela, pra esconder o desespero na voz.

Isso era uma coisa que eu não queria falar, mas como esconder de Jorge?

-Sim. – curto e preciso. Eu não o subestimaria ao ponto de achar que ele desistiria facilmente. Ele era meio metro de pura insistência.

-E?

-E ela mandou que eu desaparecesse. – fixei meus olhos na numa revista em cima da mesa de centro, concentrando-me para não expressar nenhuma expressão de dor.

-E você vai desaparecer? – pela visão periférica podia jurar que ele ria.

-Sim. – meus olhos continuavam baixos.

Ele teve uma reação bem diferente da que eu esperava. Mas claro que do Jorge não podia se esperar nada. Ele riu alto.

-Você é mesmo um imbecil, cara. Vai desaparecer porque uma loirinha de nada mandou? Cara, tenha uma atitude de homem, varia uma pouco. – ele riu.

Ele era realmente surpreendente.

-Não é só isso. Ela é bem mais.- Minha cabeça continuava baixa.

-Você ta dificultando as coisas. Nenhuma mulher gosta de homem que desiste rápido. Se ela é importante pra você, luta. – então eu ergui a cabeça e vi que ele sorria com uma esperança feroz.

-Mas Jorge, não é assim.


-Claro que é. Venâncio, como você pensa que foi com a Roberta? Eu tive que insistir dois meses com ela. E sabe o que ela me diz hoje? Que estava testando o quanto eu gostava dela. As mulheres são assim, cara.

Talvez ele tivesse razão. Talvez Gabriella estivesse me testando, talvez eu ainda tivesse chances. Uma esperança me encheu o peito e me senti vivo novamente.

- Você tem razão Jorge, mas o que eu posso fazer, você sabe que eu não levo jeito pra isso.

Os olhos dele brilharam ainda mais quando viram que eu voltava a ser quem a anos não era.

-Mulheres gostam de provas de amor. Leva flores, espera ela na saída do trabalho, na porta de casa. Essas coisas, e é bom você se mostrar interessado por tudo que envolva ela.

Estaria tudo anexado na lista de coisas úteis que eu guardava na mente. As horas se passaram enquanto conversávamos. Ele me dava bons conselhos, e outros que eu nunca usaria. Também em contou os detalhes do jantar de re-encontro.

-Bem, é domingo e eu deveria passar com as crianças. A Roberta deve estar braba comigo. Vou lá Venâncio.

-Claro. Eu abro a porta pra você. – eu nunca consegui esconder o ciúmes que sentia dele. E isso era extremamente constrangedor. Mas a puta da Roberta havia me roubado os melhores anos da minha vida. Ela havia me roubado o meu melhor amigo.

-Quer jantar lá em casa? – eu podia sentir a hesitação nas palavras.

-Acho que a Roberta não gosta de mim. – e ele podia sentir a hostilidade nas minhas.

-Claro que gosta. Vai lá, o Jake vai ficar feliz em te ver. Você vai gostar do novo jogo de vídeo game que eu comprei pra ele.

-Ok, eu vou então. Até logo.

Ele se foi e eu me deitei no meu sofá. Jorge havia me dado uma perspectiva muito diferente da situação. Então era mais fácil e menos doloroso pensar em Gabriella.

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Mancha de sangue - cap 3

29 de abril de 2009 | | 0 comentários

Sonhei com Gabriella. Estávamos na calçada aonde nos vimos pela primeira vez. Pessoas passavam correndo por nós, desesperadas, gritando atormentadas. Eu podia me ver, e eu estava com a cara chocada e ao mesmo tempo incondicionalmente encantada. E Gabriella como sempre, perfeita. Ela sorria; a expressão calma e diabólica. Então ela começava a se distanciar cada vez mais, só que suas pernas não se mexiam. Junto com ela as pessoas desapareciam. Eu tentava correr para alcançá-la, mas meus esforços eram em vão. Até que Gabriella era só um ponto vermelho. Então eu acordei.

Eram três horas da tarde e não fazia idéia de quantas horas dormira. Eu teria uma reunião com o pessoal do grupo de publicidade a noite e precisava organizar meu material. Resolvi tomar um banho para colocar as idéias no lugar.

Demorei-me embaixo da água quente do chuveiro, tirando todo o desconforto causado pelo suor. Tentei não pensar no que me tiraria todos os pensamentos sãos. Apeguei-me a reunião. Saí do banho. Organizei todo o meu material vagarosamente, mas ainda tinha bastante tempo e precisava manter a minha mente ocupada. Olhei em volta e vi algumas coisas jogadas pelo chão do apartamento. Liguei o aparelho de som e coloquei uma musica com letra complexa e rolos de bateria complicados. Prestei atenção na letra enquanto limpava as coisas, cantando as partes que eu sabia. Desconfio que tenha TOC. Sempre fui muito organizado e me irrito com cosias fora do lugar. Apesar do estilo abarrotado do meu apartamento, ele sempre está organizado, com as roupas no armário, os controles de televisão em cima dela, as xícaras de café lavadas e empilhadas no lado da cafeteira e as almofadas amassadas onde elas devem estar.
Quando acabei, tomei outro banho e fui para reunião. As horas, diferente do que eu imaginava, passaram depressa, e quando cheguei em casa, já era um horário razoável para dormir.

O outro dia passou monotonamente, assim como o outro, e o outro. Havia algo errado comigo, e eu sabia exatamente o que era. Estava decidido a seguir o meu “plano brilhante”. Na manha do quinto dia depois que conheci Gabriella, fui até a frente da sua casa. Era bem cedo, então imaginei que ela estivesse dormindo. Esperaria até o tempo que fosse necessário para encontrá-la novamente. Uma ela hora sairia, era o que eu supunha.

Prestei atenção nos detalhes da casa. Era antiga, provavelmente restaurada. Era grande e tinha certo charme. Lembrava muito um lar feliz, mas com as horas começou a assumir um aspecto macabro. A quantidade exagerada de árvores bloqueava qualquer tipo de visão ampla da casa. Isso me deixava agoniado.

Enquanto escutava o rádio sem ouvir, um carro vermelho familiar apareceu pelo espelho. Eu sabia de onde o conhecia. Um fluxo de adrenalina invadiu o meu corpo e a minha mente. Sacudi a cabeça para me concentrar. Agi por impulso. Liguei o carro e atravessei-o na rua, bloqueando a passagem de qualquer carro. Eu pude ver o seu rosto dentro do carro, ela estreitou os olhos e sorriu, diabolicamente. Esperava que Gabriella parasse e falasse comigo. Mas ao contrário, ela acelerou. Foi rápido demais. Só tive tempo de sentir o impacto. Ela bateu no meu carro, amassando a lateral do meu e a frente do dela. Quando consegui reorganizar os meus pensamentos, ela ria, com os cachos caindo no rosto perfeito. Eu não sabia o que fazer. Será que tinha problemas mentais? Ela amassou o meu Scort!
G
abriella desceu do carro. Ela vestia um conjunto social marrom. Não esperava vê-la vestida assim. Parecia uma responsável executiva mãe de família. Mas o seu rosto negava isso. Ele era divino, radiante e como sempre, diabólico. Ela contornou o carro, e abriu a porta do carona. Abaixou-se e falou; sua voz hipnotizante, os olhos cruéis.

- Da próxima vez eu amasso a sua cara junto.

E saiu. Fiquei desesperado e desci do carro. Peguei o braço dela e a puxei para mim. Ela olhou a minha mão, respectivamente, o meu rosto. Eu imaginava a sua expressão inalterada como sempre, mas Gabriella vacilou ao encontrar os meus olhos. Então puxou o braço. Fiz algo sem pensar. Puxei o seu rosto para o meu, beijando-a. Acho que Gabriella retribuiu o beijo por alguns instantes, até empurrar o meu rosto com toda a força, mas seu corpo continuou no meu.

-Gabriella, não sei como explicar, mas não consigo mais ficar longe de você.

Então ela sorriu com escárnio.

-Mais um cão para o meu canil.

Era isso que ela pensava de mim? E o que eu esperava mais?Uma mulher como aquela nunca sentiria nada por um homem como eu. Não digo que eu sou feio, mas também não consigo me achar bonito. O que sei é que muitas colegas de faculdade me disseram é que eu até tenho cara de “sedutor”, mas minha maneira de ser é que estraga todo o resto. Isso não fazia a menor diferença, sedutor ou não, Gabriella não me queria.
Larguei o seu corpo devagar, com a cara chocada. Olhei para o meu carro que parecei uma mancha de sangue no meio da rua. Gabriella sorria, divertindo-se com a situação, mas de certa forma os seus olhos expressavam confusão, um dilema íntimo. Baixei a cabeça, e ofeguei. Não sabia que aquelas palavras me afetariam tanto. As mãos dela levantaram o meu queixo. Ela estava com a expressão vazia.

-Agora desapareça. – Então ela chegou com o rosto perto, roçou os lábios no meu pescoço, pra cima e pra baixo, a sua respiração tocando a minha pele, então, lentamente subiu até meus lábios, sussurrando – Desapareça.

Então ela foi para o seu carro amassado e partiu.

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"Jorge". Cap 2

18 de abril de 2009 | | 0 comentários

Andei pelas ruas sem perceber o mundo a minha volta. A única coisa que eu tinha em mente era o rosto de Gabriella, impecável. Quando acordei, ela não estava lá, as minhas roupas estavam jogadas onde eu havia deixado. Desci, e a casa estava aparentemente solitária. Então peguei o meu carro e fui embora.
Uma das coisas que adquiri do meu pai foi uma desconfiança extrema das pessoas, cada detalhe me passava pela cabeça, sempre parecendo ter um duplo sentido maldoso.
O telefone tocou.

-Alô, Jorge.

-Hei cara, por que você não veio? – a sua voz estava feliz, como sempre. Patético.

-Ah, eu não fui ontem porque aconteceu um imprevisto...

-A Dani me disse que viu um Scort velho chegando. Por que você não entrou, cara?
. Ah sim, eu cheguei ir até a frente da tua casa... Espera a Dani-gostosona foi? Ela ainda continua bonita?

-Sim, com uns quilos a mais.

-Gorda? Então era ela que estava entrando quando eu cheguei. – cocei o queixo – Ah cara, uma loira de outro mundo me convidou pra ira até a sua casa. To saindo de lá agora.

-Ah, para, tu com toda essa lerdeza pegando uma loira? Devia ser muito baranga. – ele deu a risada de quando ele tentava disfarçar a inveja.

-Te juro, velho. Ela tinha um armário só de coisa eróticas. To todo doído das chicoteadas. Cara, foi a melhor transa da minha vida.

-Parece guri na puberdade que acabou de perder a virgindade! – e ele deu a risada debochada. Isso queria dizer que eu realmente parecia um guri na puberdade.

-Agora eu tenho que desligar, to acabado e tenho umas coisas pra fazer. Depois a gente se vê.

Desliguei o celular e tentei me situar no espaço. Eu tinha saído dos limites da cidade. Fiz o retorno e andei pelas ruas ainda silenciosas. Só mesmo o Jorge pra me ligar uma hora dessas. Ele era alguém que eu realmente gostava.

O Jorge era um fotógrafo excelente que mudou para professor fracassado por exigência da esposa. Ele era hilário, sempre sorrindo, até parecia que era de outra galáxia. Roberta era o nome da esposa dele. Uma mulher linda, mas de uma beleza vagabunda, que se encontra nas esquinas. Por culpa dela o Jorge me abandonou na ida aos bares tomar um porre de café preto e depois passar a noite acordados jogando cartas até o dia amanhecer, depois irmos dormir no meio das senhoras que rezavam na frente do monumento sagrado da praça. Bons tempos aqueles. Destruídos por uma cachorra gostosa. Mas Jorge era feliz assim, e eu nunca tinha visto ele tão feliz na vida. A paixão da vida dele era os seus filhos gêmeos loiros de olhos azuis: Jake e Jane. Nome de pobre que tenta ser rico. “Foi a Roberta que escolheu. Ela ta grávida e não posso discutir sobre isso”.Tudo bem, as vítimas eram as crianças mesmo; crianças que tirariam de mim mais ainda o meu amigo.

Jorge nunca deixou de se preocupar comigo. Ele se sentia meio culpado pela minha “depressão”. “Foi demais pra você termos largados os nossos hábitos tão subitamente”, dizia ele. Mas ele não era culpado, e eu nem estava em depressão. Só aprendi a gostar da solidão e do conforto apertado do meu apartamento. Eu estava feliz assim, só que de uma maneira não-saudável.
Quando cheguei ao meu prédio, tive vontade de dar meia volta e comprar uma lata de tinta para pintar aquelas paredes. Fiquei pensando em Gabriella ali no meu lado, vendo aquele lugar pavoroso. Balancei a cabeça e entrei correndo, subindo de dois em dois degraus. O porteiro mal me viu passar. Em geral ele não percebia a minha presença. Entrei no meu apartamento. Desejei profundamente ter uma cama confortável, mas eu só tinha aquele sofá. Joguei-me nele, sem nem me preocupar em trocar de roupa. Estava exausto e eu adorava saber o motivo disso. Minhas pálpebras foram pesando até que peguei no sono.

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