Sinopse

A morte é certa. Não tem como fugir. Como você prefere morrer? Há quem prefira morrer pelo prazer. E há quem dê esse privilégio. Quando o sofrimento enfim parece compensar, ninguém reclamaria que a vida findasse ali, no clímax, no gozo. É uma bela forma de morrer. O problema é quando o amor se funde ao sangue.

Tiro - cap. 5

9 de junho de 2009 | |

Era segunda-feira e nada mudara. A minha esperança tinha voltado, mas Gabriella não. Eu estava decidido de logo depois do trabalho ir procurá-la. Então, após ter aproveitado os últimos segundos que podia ficar no meu sofá, levantei, um pouco animado até, para uma segunda-feira. Nos primeiros minutos que levanto nada faz sentido. Acho que em geral as pessoas ficam assim. Ainda mais numa segunda-feira. É tradição, o primeiro dia útil da semana é o mais inútil. É nesse dia que pensamos na sexta-feira, e também é nesse dia que recebemos os problemas. Nas segundas todos estamos cansados, então, a educação fica esquecida e ninguém se importa, porque é segunda-feira. Antigamente, pra mim e para o Jorge, todos os dias eram sextas. Depois que ele encontrou a vadia da vida dele, as segundas se tornaram apenas um hábito, porque os fins de semanas era tão parados e torturantes como a segunda-feira. Mas segunda-feira continua sendo segunda-feira, então, o mau humor é automático.

Levantei, e fui até o armário. Procurei roupas e cuecas limpas, para tomar um banho. Então, eu senti um cheiro diferente. Não, vinha de mim, simplesmente porque era agradável o perfume. Meu apartamento sempre cheirava à café, então não era dali.
Não era um perfume comum. Ele era excitante. Mas não aqueles fortes, de vagabunda. Era concentrado. Fazia-me pensar no prazer como algo divino. Senti-me estranho ao pensar nisso.

Virei para ver de onde poderia vir.

Acho que demorei demais para conseguir entender o que era. Tenho quase certeza que fiquei com cara de piá que vê mulher nua pela primeira vez. Eu sabia que estava sendo ridículo, mas meus pés não queriam voltar ao chão. Forcei o máximo que pude.
Então ela deu uma risada. Minhas alucinações agora riam. Nossa, eu estava bom mesmo em criar Gabriellas surreais.

Ela me olhava com curiosidade e divertimento. Estava se divertindo muito, isso era um fato. Seus lábios estavam curvados em um meio sorriso, como se estivessem ali só para me tirar a sanidade. Eles zombavam de mim.

Algo me puxou de volta a realidade. Acho que foram as roupas que caíram das minhas mãos. Mas de alguma forma voltei a pisar o chão seguro, ou nem tanto. Não era uma alucinação! Ela era real, muito real. E estava ali, na minha frente, enquanto eu a encarava com uma cara de idiota.

Ainda não sei por que e como fiz aquilo, mas eu tive o impulso de ir beijá-la. Então, o obedeci. Fui correndo ate o seu encontro. Quando me dei conta, eu estava abraçando-a loucamente. Logo que percebi, larguei-a, com medo do que ela faria. Mas ela sorria, Gabriella sorria! E seu olhar não era de reprovação. Seus olhos ardiam.

Eu precisava falar.

-Gabri... Gabriella. – eu ofegava – pensei, pensei que você não gostasse de cachorros.
Eu juro que seria mais feliz se não fosse tão imbecil.
Ela riu.

-Existem algumas raças nas quais eu simpatizo. – a sua voz era doce, diabólica, hipnotizante.

Gabriella era linda. Perfeita. Eu devia responder. Balancei a minha cabeça para organizar os pensamentos.

-E eu sou da uma boa raça?

-Digamos que seja a minha favorita, dentre varias. – então, o seu sorriso se alargou.
Eu não conseguia acreditar que aquilo tudo era real. Parecia um sonho, e eu preferia ficar adormecido pelo resto da minha vida a cair de ponta cabeça na realidade. Na verdade, o sonho era a realidade. Eu não sabia o que responder, e ela não esperava uma resposta. Então, me restava ser homem e agir. E pra isso, era preciso concentração.

Aproximei-me vagarosamente, cuidando para não bancar o idiota de novo. Peguei na sua cintura, com toda a suavidade e firmeza que era capaz. Em minhas mãos, ela parecia tão frágil. Mas os olhos revelavam uma verdade bem diferente. Ela sorria, e seus olhos estavam em brasa. Não entendi o porquê de tanta intensidade. Puxei-a para perto, encostando-a em meu peito. Pude sentir a sua respiração no meu pescoço, mesmo de longe.

Então, veio a incerteza. Será que o que ela havia dito sobre gostar da minha “raça” queria dizer que ela gostou de ter transado comigo, ou que estava apaixonada por mim? Se ela havia apenas gostado da noite, seria ridículo que eu tentasse algum carinho ou algo que revelasse meus sentimentos. Mas se ela estava apaixonada, eu não poderia jogá-la no sofá.

Ela, surpreendentemente encostou a cabeça no meu peito, e pude sentir, pela oscilação de sua respiração, que ela ria discretamente. Então, tomei coragem, e encostei o meu queixo na sua cabeça. Não consigo mensurar quanto tempo ficamos ali, mas foi bastante, até.

Não havia nada que eu quisesse mais do que estar ali. Ela tão perto, tão frágil.
Até que ela levantou a cabeça para me encarar, sem se afastar. O seu olhar era frustrado. Eu vi a face perfeita dela assumir alguma emoção. Parecia sentir uma dor. Então me lembrei que não tomava banho há dias. Será que ela sentira meu fedor? Quase saí correndo para o banheiro.

Peguei a sua cabeça entra as mãos. O seu rosto era tão perfeito. Até hoje não consigo acreditar que é real. Seus olhos negros ardiam tanto quanto uma chama de fogo que se alastra sem piedade. Seus lábios estavam em um meio sorriso, tão divino e tão cheio de malícia. Tudo tinha harmonia. Ela não parecia nenhum um pouco com as mulheres que eu já havia visto, seu olhar carregava muito mais do que isso. Ele trazia uma determinação e segurança desumana. Acho que se um leão a atacasse, ela continuaria segura de si e a sua face calma e inalterada como sempre, com todo o seu ardor. Ela era muito mais do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar. Gabriella é o segredo que eu não desvendei, e provavelmente nunca desvendarei.

Devagar fui chegando mais perto. Então o seu sorriso desapareceu, oscilei, mas ao que parecia ela não estava brava. Fui chegando cada vez mais perto, até que pude sentir sua respiração em meu rosto. As mãos dela envolveram o meu pescoço, fazendo movimentos sutis. Fechei os olhos e aproveitei cada sensação. Eu estava em êxtase. Pude sentir a sua respiração se alterar em uma risada curta. Ela aproximou os seus lábios dos meus, encostando-os de leve. Ela roçou-os de um lado para o outro, dando risadas baixinhas. Até que me beijou. Beijou intensamente. Beijou com paixão, desejo. Beijou com amor. Não queria que isso tivesse um fim, queria permanecer a eternidade ali. No momento me veio um pensamento: “nem a morte seria um preço justo para essa sensação”. Hoje essa frase faz mais sentido.

Então ela me empurrou. Empurrou com muita força. Começou a rir. Rir com o mesmo tom
debochado de sempre. Ela ria olhando nos meus olhos. Eu podia ver que qualquer vestígio de amor havia ido embora. Minha expressão não era de surpresa. Eu estava preparado pra isso mais do que para a sua reação anterior. Mas o meu rosto deve ter revelado uma dor tangível. Senti um buraco se abrir onde antes batera um coração frenético. Ela disse com a voz amarga.

- Homens e seus falsos amores. É tão repetitivo.

Falsos amores? Bem, se ela considera o fato de alguém que fica um mês em estado vegetativo por causa de certa pessoa e quando a vê tem uma atitude impensada de perguntar “você gosta de cães?” porque simplesmente é impossível pra ela ter nem que seja um senso básico de ridículo quando essa pessoa está perto, se Gabriella considera isso um falso amor, bem, eu tinha um falso amor e me orgulhava disso.
Mas é obvio que eu não diria isso a ela.


-Gabriella, eu te amo e isso é verdade.

Ela ainda tinha um sorriso no rosto, um divertimento quase audível.

-Apenas prazer.

Era isso que ficava evidente. Mas não que fosse a verdade. Eu já pagara muitas prostitutas, nenhuma me fornecera tanto prazer quanto Gabriella, mas que me forneceram muito já. Eu nunca senti falta de nenhuma delas no dia seguinte. Acho que nunca comi a mesma mais que uma vez. Eu precisava fazê-la entender o que significava para mim, precisava tentar. Mas não tinha certeza de como. Comecei devagar.

-Gabriella, eu senti a sua falta, eu vi como os meus dias ficaram vazios depois que você me mandou embora. E eu vi que foi insuportável a sua ausência. Eu te amo, e você é o meu mundo agora.

Então o seu sorriso desapareceu. Ela pronunciou com a voz dura.

-Então, talvez o seu mundo exploda...

Foi tudo muito rápido. A porta abriu bruscamente. Ela não estava chaveada, mas quem entrou teria força e raiva suficiente para arrombá-la se fosse necessário.
Era um homem baixo e magro. O que me chamou atenção foi seu rosto cheio de cortes profundos. Ele parecia ter sido esfaqueado por alguém realmente sem escrúpulos. Vestia uma roupa rasgada, manchada de sangue. Os seus olhos eram de um azul forte e estavam cheio de raiva, dor e pânico. O homem começou a gritar:

-Sua vagabunda, eu vou acabar com a tua vida, como tu fez com Jefferson!

Ele começou a andar pra cima dela. Eu o segurei, mas a sua raiva era descontrolada.

-Eu vou te matar! Vou arrancar os teus olhos de feiticeira! Vadia!

O homem estava tomado de uma determinação que me fez acreditar que realmente mataria Gabriella. Olhei por cima do ombro para vê-la. Ela estava com a mesma expressão de como eu vira antes do homem entrar. Fechada, sem surpresa nenhuma. Pensei nisso por um milésimo de segundo, mas o homem se mexia muito. Sorte que ele era bem mais baixo que eu.

-Vagabunda!

O homem então se afastou de mim. Ele levantou a camisa e tirou um revolver da cintura. A arma tremia em suas mãos.

Olhei para Gabriella, com os olhos quase saindo do rosto. Ela já havia sacado uma arma, e a segurava com calma. Ela parecia já ter uma intimidade com aquele instrumento, como se há anos o manejasse. Então, senti medo.

-Quer brincar de quem atira primeiro no meio do alvo? – um sorriso diabólico surgiu em seu rosto de mármore.

O homem tremia loucamente.

-Você torturou a pessoa que eu mais amava. Você fez isso por prazer...
Então ela tinha atirado.

1 comentários:

Amanda disse...

cadê, cadê ?
quero mais ):

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