Sinopse

A morte é certa. Não tem como fugir. Como você prefere morrer? Há quem prefira morrer pelo prazer. E há quem dê esse privilégio. Quando o sofrimento enfim parece compensar, ninguém reclamaria que a vida findasse ali, no clímax, no gozo. É uma bela forma de morrer. O problema é quando o amor se funde ao sangue.

Pancada. - cap. 7

27 de agosto de 2009 | |

Quando acordei, eram onze horas da manhã. Eu estava atirado no sofá, mas isso já era costumeiro. O que primeiramente me intrigou foi a desordem do apartamento e um latejar irritante em minha cabeça. As lembranças vieram como flashes desconexos, até que comecei a encaixar os fatos para que ficassem coerentes.


Lembrei-me de algo que Gabriella me dissera, em especial. Ok. Não vi nada. Seria fácil, até porque eu não me lembrava de muitas coisas sólidas. Minha cabeça doía. Mas isso não era o pior. O pior era que meu apartamento estava desorganizado.
Parecia ter sido inva...Invadido!

E que fim havia levado o homem agonizante, afinal de contas? Não conseguia lembrar-me de nenhum lampejo que levasse a ele. “Ele deve ter ido com Gabriella. Deve ser mais um do canil”. A minha voz interna surgiu, intrometida.

Levantei-me e fui até o armário, fazer um café. Praguejei. O café havia acabado. “Se parasse de ficar se masturbando pensando na loira gostosa, talvez a dispensa estivesse abastecida”. Voz maldita. “Cale a boca”, gritei. Meu cérebro devia mesmo ter alguma anomalia. Pessoas normais não costumavam brigar consigo mesmas. Não que eu entendesse muito de pessoas. Nem de normalidade.

Bem, hora das compras; Imagine a dança da vitória e acrescente uma quantia relevante de ironia a ela. Mas pra que eu tivesse alguma condição de sair de casa, precisava de um banho. E um longo banho. Peguei minhas roupas caídas no chão e fui para o banheiro. A água ajudou a aliviar o latejar incômodo que insistia em me atormentar, mesmo com meus esforços de ignorá-lo.

Olhei-me no espelho. Minhas olheiras estavam mais fundas que o normal e a minha pele levemente empalidecida. Eu estava deplorável. Mas não poderia estar diferente, após levar uma pancada na cabeça. Perguntava-me porque diabos Gabriella me batera. Ela tinha mesmo um humor inconstante, mas não imaginava que fosse tão extremo.

Primeiro ela atirou no homem, depois me tira a inconsciência. Não, isso não seria efeito da TPM. Ou será que eu estava tão desaprendido a lidar com mulheres? Era melhor que eu aprendesse logo, antes que Gabriella se irritasse e arrancasse meu pênis.

Parece até piada. O fato era que eu preferia lidar com isso como uma piada do encarar a verdade como ela era. Gabriella provocou em mim algo que nenhuma mulher antes provocara. No meu mundo, ou antigo mundo, as mulheres eram apenas instrumentos de prazer, incapazes de provocar nada parecido com sentimento. Mas então ela chegou como um meteoro - na verdade, acho que meteoro é um corpo muito sem graça quando comparado a Gabriella – e mexeu em algo intacto dentro de mim. Ela me fez encará-la como mais que uma fonte de sexo, mas como uma mulher cheia de segredos. Eu desejava estar ao seu lado, acima de tudo. Gabriella parecia ser perigosa, ou deveria parecer aos olhos de alguém normal. Eu deveria estar com medo. E eu estava. Mas isso não anulava a curiosidade e fascinação que crescera a partir desses fatos. O medo não me empurrava para um lugar seguro, mas me instigava a ir em frente. O medo, misturado com a excitação era uma sensação nova e empolgante. E eu estava ficando hiperativo.
Passei os dedos nos cabelo molhado. Peguei meus tênis perfeitamente colocados numa das partes do guarda roupa, e calcei-os, não perdendo tempo em amarrá-los. Saí do apartamento. Estava tudo tranqüilo.

Algo me intrigou. Como Gabriella saíra com o homem sem que ninguém percebesse? Eu pagava um valor dobrado para que aquela parte do prédio fosse exclusiva para mim. Na verdade, era idiota, pois aquela parte estava interditada devido ao grande risco de incêndio. Mas eu não ligava. Morrer queimado até era uma morte gloriosa. Eu só queria privacidade e silêncio. Mas para chegar até lá, obrigatoriamente era preciso passar pela portaria, a não ser que se escalasse ou pulasse uma altura de quatro andares. Algo que eu sempre detestara. Queria ter livre entrada e saída, sem topar com aqueles porteiros metidos e fofoqueiros.

Então, como Gabriella fizera para sair com o homem agonizante? Balancei a cabeça e continuei descendo as escadas, decidindo que não pensar nisso era o melhor.
Ao chegar ao hall de entrada, o porteiro que estava assistindo televisão atrás do balcão de madeira velho virou-se para mim, os olhos um pouco confusos. Os porteiros dali sempre me encaravam com uma expressão de aversão ou desprezo, mas dessa vez era uma curiosidade tangível. Parei um pouco, incomodado com o olhar insistente e especulativo. O velho gordo pigarreou e abaixou a cabeça levemente. Parecia... Pesar?

-Era seu amigo, Sr Venâncio?

Franzi o cenho.

-Amigo?

-É. O homem que se atirou da janela hoje cedo.

Eu fico inconsciente os meus vizinhos começam a brincar de Bunge Jump? Incrível.

-Quem?

-Aquele homem que veio atrás da moça loira, Sr Venâncio. – o homem agora parecia desconfiado.

Ah. Eu era muito imbecil mesmo. Meu cérebro não conseguiu processar tudo em tão pouco tempo, mas consegui compreender a essência. Algo acontecera enquanto eu “dormia” e eu devia saber disso. Bem, era melhor que eu concordasse.

-Ah, é verdade. Desculpa, fiquei um pouco transtornado. Hm, não, eu não o conhecia.
Ele olhou mais para baixo, um pouco encabulado com a minha educação. A bem da verdade era a primeira vez que conversávamos.

-Hm. Ele não resistiu. Morreu. A moça loira saiu desesperada daqui, chorando. Ela disse que eles estavam tendo um caso, algo recente, mas que logo que ele descobrira sua profissão a rejeitara. Pobre homem. - homem troncudo balançou a cabeça. Uma certa camaradagem masculina que nunca entendi.

Em outras ocasiões eu praguejaria pelo falatório extenso do porteiro metido, mas ele estava sendo útil. Muito útil.

-Foi isso que ela disse? Que falta de profissionalismo de sua parte. O que mais ela disse? – ela perguntou de mim? Disse pra onde ia? O que ela disse do homem?

-É, foi sim. – ele esfregou a careca gordurosa, cheia de vincos – Ela não disse mais nada.

-Muito obrigada, Sr ... ?

-Alberto.

-Muito obrigado, Sr. Alberto.

Saí. O sol batia forte, sol do meio dia. Entrei no meu Scort no pequeno estacionamento improvisado. Aquilo tudo era muito absurdo e não fazia sentido.
Alguém teria que me explicar. Liguei o carro. E saí.

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